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Qual a relação do dolo com a ilicitude?

Perguntas e RespostasCategoria: 3. LEIS PENAIS:Qual a relação do dolo com a ilicitude?
admin Colaborador perguntado à 2 anos

Tenho dificuldade em perceber em que medida o dolo tem a ver com a ilicitude. Ou seja gostaria que me elucidassem se para haver dolo tem de haver ilicitude e culpa e porque é que o dolo está só para a ilicitude?

Obrigado

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admin Colaborador respondido à 2 anos

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra:

“Assim, não se tendo apurado causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, serão os arguidos condenados pela prática de um crime de furto simples.”

Assim, e porque os arguidos bem sabiam que agiam ilicitamente, com margem de liberdade adequada a escolher se queriam ou não realizar o ilícito, terão de ser condenados como autores de um crime doloso de incêndio.

Processo Nº: 887/19.3JAPDL.L1-5 / AC. TRL – 20/10/2020

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Aquelas frases do Ac. do TRL elucidam muito bem que só se pode acusar de um crime quem tenha agido com uma conduta ilícita ou com culpa, porque existindo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa não pode existir dolo. Ou seja, o dolo ou punição só está para os factos ilícitos, não podendo ser aplicado directamente sem que exista prova da ilicitude ou da culpa. Aliás sem causas de exclusão da ilicitude e da da culpa (artigos 31.º a 39.º do Código Penal) é inexequível o Estado de Direito porque isso seria negar ao cidadão reagir ou defender-se de um crime efectivo e assim poderiam ser condenados os lesados e as vitimas.

O dolo é a base de partida para todo o inquérito porque tem três as únicas formas de identificar e certificar a conduta ilícita e com culpa, e por exclusão de partes faz indiciar também a negligência e a anomalia psíquica.

Normalmente a conduta ilícita, com culpa e com dolo está associada às formas de crime (autoria, cumplicidade e comparticipação), o que pressupões um certo estudo, esforço ou dedicação para se conseguir praticar o facto, e as formas de crime é o meio usado para os agentes conseguirem realizar ou atingir o lesado, seja ele uma pessoa, entidade, o Estado, a sociedade, uma comunidade e a sua cultura. Estes são os chamados elementos subjectivos volitivos, ou seja como e o que o agente pensa e executa através da sua própria vontade.

Ora, as únicas formas de saber quem tem uma conduta ilícita e com culpa, para poder ser acusado e levado a julgamento, são as seguintes: 1. Qual a intenção do agente quando praticou o facto (se o objectivo era praticar o crime, ou reagir a um primeiro crime, ou apenas apresentar queixa chamando a atenção tal como o lesado se sentia na altura de sofrer o insólito ou surpresa); 2. Se o facto ou o resultado foi uma consequência necessária da conduta do agente e não de terceiros, ou de algo natural e acidental, ou se por exclusão de partes terá existido negligência ou então anomalia psíquica; 3. Se o agente se conformou com a realização (ao representar a realização do facto se o agente tinha a possibilidade ou o dever de denunciar ou de alguma forma sanar o facto ou de travar resultado através de qualquer meio em face das circunstâncias).

Ora, a primeira coisa que se faz assim que o Tribunal tem conhecimento de um crime é recolher prova e ouvir as partes em conflito para as comparar com aquelas disposições legais, de modo a descobrir qual a parte que teve uma conduta ilícita, nos termos do nº 1 e do nº 2 do artigo 31.º do Código penal.

Pratica factos ilícitos o agente que não actua através das causas de exclusão da ilicitude e da culpa. Logo, se é ilícito o facto é preciso verificar se existe dolo para confirmar o tipo de forma de crime e o tipo de ilicitude, e portanto o dolo só está para  ilicitude, ou seja não se vai analisar o dolo na conduta lícita porque não faz sentido.

Descoberta a conduta ilícita e culposa e as respectivas formas de crime nos agentes envolvidos, através da figura do dolo, o agente tenderá a ser constituído como arguido e acusado, em ordem a uma eventual punição em sede de audiência de julgamento.

Cabe pois à figura do dolo descobrir, confirmar e explicar quem pode ser indiciado pela prática de um crime ilegal, existindo ou não um crime legal, uma vez que o lesado pode até nunca ter reagido à agressão e apenas ter feito queixa.

Legalmente só se pode acusar quem pratica um facto que representa ou realiza um tipo de crime previsto na lei penal com dolo e através de uma conduta ilícita, com culpa e formas de crime, ou então, por exclusão de partes, quem age com negligência ou tiver anomalia psíquica.

O dolo serve pois para identificar e certificar se o facto que representa ou que realize um tipo de crime é punível numa das três formas de conduta ilícita e culposa devido à vontade demonstrada pelo esforço ou dedicação (intenção, consequência necessária e conformação), e sempre tais condutas estão associadas às formas de crime (autoria, cumplicidade e comparticipação), tendo de existir para isso um certo estudo e dedicação para se praticar um crime.

Não existindo dolo mas identificado o agente ilícito é porque há uma conduta negligente (sem vontade ou dedicação para o crime mas com falta de cuidado), ou então uma anomalia psíquica (sem estudo e dedicação, mas com ilicitude e vontade e sem culpa, quer devido a anomalia habitual ou quer devido a erro de entendimento temporário ou inimputabilidade diminuída).

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