Tenho visto muitas explicações mas cada vez estou mais confusa, umas pessoas dizem uma coisa e outras dizem outra. Afinal quem tem razão?
Dolo, ilicitude e culpa são figuras interligadas no processo-penal e no código penal, são mesmo inseparáveis. O dolo inclui as várias formas de conduta ilícita e culposa, resumidas em três para conduzir todo o processo-penal desde a notícia do crime, e só elas são puníveis e podem fundamentar a acusação: 1. A intenção de praticar o crime, ou seja o motivo do agente não é reagir a um crime ou a um direito de necessidade segundo as causas de exclusão da ilicitude (essencialmente os artigos 31.º, 34.º, 36.º e 38.º do Código Penal), e ao não ter uma dessas justificações se prova a ilicitude e a culpa, ou seja a intenção de praticar o facto de propósito como crime e não para sua defesa contra algo que não podia evitar de outra maneira; 2. O facto é uma consequência necessária da própria conduta, ou seja age voluntariamente pois ninguém o obrigou e nem enganou e sem a sua conduta o crime ou o resultado não se realizava, por isso ele pratica o primeiro acto ilícito e daí a culpa, mesmo que não haja intenção. Não actuando com intenção e nem por uma necessidade desculpante se prova a culpa, que pode ser por exemplo por alguma omissão ou por negligência, (artigo 35.º do Código Penal); 3. O facto acontece por conformação, quando o agente sabia do facto e podia ou devia sanar o resultado, segundo as circunstâncias e do podia ser capaz, mas nada faz em sentido contrário. Logo ao actuar desta maneira, sabendo do facto mas ao nada fazer é porque se conformou com a sua realização e daí a prova da culpa (artigo 37.º do Código Penal).
Todas as três formas de dolo, ou de ilicitude, importam que exista no agente uma das formas de participar no crime, nos termos dos artigos 21.º a 30.º do Código Penal (autoria, cumplicidade, Comparticipação).
PROVA: “Assim, não se tendo apurado causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, serão os arguidos condenados pela prática de um crime de furto simples.” – Processo Nº: 887/19.3JAPDL.L1-5 / AC. TRL – 20/10/2020.
Só se pode ser acusado quando nos motivos do agente não são apuradas causas de exclusão da ilicitude e da culpa, sendo que estas causas têm de ser apuradas em ambas as partes em conflito e não apenas numa delas para se cumprir o contraditório, a não que haja confissão expressa e assinada pelo interessado que contenha a devida fundamentação, ou seja a prova da ilicitude ou da culpa.
Mas quem declara a confissão tem de provar que agiu com dolo (ilicitude e culpa, numa das formas de dolo), para que o tribunal não viole o disposto no artigo 262.º do CPP, uma vez que a confissão pode ser forçada por ameaças.
EXPLICAÇÃO DETALHADA:
O dolo nas suas três formas significa conhecer e querer os elementos objectivos pertinentes do tipo de crime, mas se existir ilicitude e representado o agente numa das formas de participar no facto ilicitamente e com culpa (autoria, cumplicidade, comparticipação).
O dolo por intenção consiste em querer representar a realização do facto sem que se tenham apurado causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
O dolo como consequência necessária da própria conduta significa que o agente, mesmo que tenha agido sem intenção, em face das circunstancias ou da sua capacidade, dever e saúde mental, tem mais culpa ao praticar o facto voluntariamente (conscientemente e sem que tivesse de alguma forma sido obrigado ou enganado) ou simplesmente como sendo o primeiro facto ilícito de todo o acontecimento relativo.
O dolo por conformação significa que o agente, independentemente da intenção e de outras formas de dolo, ao conhecer o facto ou ao se verificar a previsão do resultado, conscientemente, actua associado ou com acordo escondido ou abstracto ou por ideologia, concilia-se, ou por resignação ou por submissão, ou com qualquer interesse camuflado, ou até descartando-se da responsabilidade por receio ou medo de represálias, nomeadamente quando assuma cargo que afinal não tem coragem de desempenhar ou conheça e seja possível sanar o resultado de um facto mas nada faz em contrário, em razão das suas competências ou deveres, participando assim na culpa que também auxilia ou permite a prática do facto.
SOBRE A CULPA:
Quando fazemos uma brincadeira temos a consciência de que não irá fazer mal, assim como ao praticar um crime temos a consciência de que é um acto ilícito. Contudo uma acção ou omissão ou uma brincadeira podem correr mal mas sem querer inicialmente tal intenção, daí que nós imediatamente pedimos desculpa.
Já na prática de um crime intencional, e ao mesmo tempo como consequência necessária da própria conduta, nunca se pede desculpa, a não ser por falsidade astuciosa uma vez que ele é realizado conscientemente.
Por outro lado, ao reagir contra um primeiro crime nunca há culpa porque a reacção contra algo ilícito é sempre algo inesperado, e por isso a reacção é sempre com perturbação e por isso sem culpa porque não pode existir consciência total do acto (a pessoa reage como se sente e pode, consoante a gravidade do acto).
Portanto, em suma a culpa não é desconhecer, não ter a intenção de, mas sim ter a consciência do facto ou do resultado.
A culpa ou consciência do acto não acontece quando se reage ao primeiro facto ilícito, porque a reacção nestas circunstâncias indica surpresa, ou seja a pessoa é vitima de uma ilegalidade ou de um acto insólito e/ou sem consentimento.
Também não acontece quando quando haja desconhecimento de se estar a representar um crime ou quando a intenção é afastar um perigo não removível de outro modo.
Destarte a culpa só acontece quando há vontade, ou seja uma certa dedicação ou esforço para atingir um resultado ilícito (não há pois negligência natural, nem anomalia psíquica e nem a doença do esquerdismo).
Acontece também por negligência grosseira devido à falta de cuidado como culpa (sem vontade ou dedicação para o crime mas com falta de cuidado que determina o resultado).
A culpa serve a ilicitude, por isso se diz que a culpa é a responsabilidade pelo facto praticado, por um prejuízo ou resultado.